terça-feira, 31 de maio de 2011

Apresentando o "Retrato Central"

     Hoje, considero-me um vencedor. A criação desse meu primeiro blog deixa pra trás uma bagagem pesada de ansiedade, receios e dúvidas com relação a escrever. Sabe quando você sente que sua cabeça está a mil, cheia de ideias e questionamentos, mas passar tudo isso pro papel (ou pra tela do computador, neste caso) é como uma sessão de tortura, bem no estilo do filme "Jogos Mortais"? Pois é, hoje decidi encarar a avalanche de desculpas esfarrapadas e aqui estou, publicando meu primeiro texto num projeto totalmente diferente: falar do centro de São Paulo, na visão de quem vive aqui. E para isso, não faltará assunto.
Nasci no interior de São Paulo, na cidade de Várzea Paulista, e moro no centro da cidade desde 2007. Trabalho em uma grande editora de revistas e estudo jornalismo. Algumas pessoas podem até me perguntar: por que você escolheu morar no centro? Eu prefiro responder que foi o centro que me escolheu. A oportunidade apareceu silenciosa numa newsletter inocente, enviada por uma imobiliária, que apareceu na caixa de entrada do meu e-mail numa certa tarde. O preço oferecido era tentador. Não pensei duas vezes. Sabe onde fui parar? Na região da Cracolândia, entre as Avenidas Rio Branco e Duque de Caxias. Já era tarde. 
"Que horrível, na cracolândia!? Você está louco Cristiano?". Essa foi (e ainda é) a frase mais cordial pronunciada por amigos próximos e familiares. Outras coisas que ouvi eu prefiro nem postar. Mas meu amor pela cidade é tão incondicional que não dei ouvidos a ninguém. Enfim, eu sabia que estava exatamente no local que todo paulistano gostaria de riscar do mapa. Mas estava feito, e era hora de encarar. Minha relação com o centro de SP começou dessa forma.
Em setembro desse ano, completarei a jornada de quatro anos no mesmo apartamento, mesmo endereço. Posso garantir que a vista da minha janela, no décimo sétimo andar, já não é mais tão impressionante como era em 2007. Quase não ouço mais o ronco pesado dos veículos passando na avenida. Até a estátua do Duque de Caxias, montado em seu cavalo na praça Princesa Isabel, me parece entediado às vezes.  Mas isso não mudou meu olhar, afinal,  o centro não é só tristeza e cracolândia. 

Praça Princesa Isabel - Foto: Cristiano Santos

Existe uma forma de viver tão intensa, excitante, desafiadora (e às vezes sofrida) nessa região que muita gente não vê. Resolvi escrever esse blog para tentar apresentar o dia a dia do centro da maior cidade do país: seu povo, sua arte, cultura, angústias, tristezas, sensações e percepções. Porém, com a visão de quem vive aqui e sente tudo isso na pele. 
Recentemente, li uma matéria da jornalista Eliane Brum (uma profissional exemplar, na minha opinião), que conta a história da psicóloga Débora Noal, voluntária do grupo "Médico sem Fronteiras". Entre os depoimentos emocionantes, que conseguiram me arrancar lágrimas em alguns momentos, uma observação despertou bastante a minha atenção. Débora cita que, nesse tipo de trabalho, ela conseguiu perceber o verdadeiro cheiro de ser humano em meio às tragédias. Segundo ela, os desodorantes, perfumes e sabonetes que todos usam no seu dia-a-dia disfarçam o verdadeiro odor, o "cheiro de gente" que todos nós temos. Fiquei refletindo sobre isso. Parei para prestar atenção e percebi que, diariamente, sinto o "cheiro do centro". Não digo apenas dos maus odores exalados pelo lixo espalhado nas ruas ou pela urina nos becos. Falo de algo mais subjetivo. É como se o centro fosse um organismo vivo. Talvez comparado a um gigante, respirando, apresentando sinais vitais e transformando todos os que ali estão em suas próprias células, seus átomos. Eu me sinto parte desse corpo. Vivo isso com mais intensidade do que qualquer pessoa que simplesmente passa por ali. E por isso resolvi criar esse blog.
Desde já agradeço a algumas pessoas de suma importância que estão colaborando com esse  projeto, oferecendo credibilidade e força como combustível. Voltarei a elas depois. O conteúdo das postagens não serão usados apenas para criticar ou mesmo elogiar o centro ou as ações nele executadas. É muito mais do que isso que pretendo mostrar. Há pessoas, histórias, vida, rotina, problemas, esperança, enfim, a cada texto publicado, a intenção é aproximar o leitor da realidade do que é viver por aqui. E convido você a me acompanhar nessa caminhada. Uma descrição minuciosa do centro de São Paulo, um verdadeiro retrato central, no olhar de quem está do lado dentro. Bom passeio!